quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O MEU AVÔ

Subia os estreitos degraus da estreita escada que me levavam até às aguas furtadas da casa. No topo, baixava a cabeça para não bater na trave que se escondia um pouco acima da altura da testa.
Do lado esquerdo uma porta aberta deixava a descoberto um pequeno quarto com uma cama e uma janela .
Do lado direito uma porta fechada. Batia levemente 2 vezes antes de entrar... se estivesse sentado no pequeno maple diria "Olá avô! É a sua neta Inês." e esperava a sua resposta.
Por vezes com a telefonia ligada apenas dizia "Entra, entra! Senta-te aí!" e com os olhos que nada viam virava a cara na minha direcção esboçando um sorriso. Perguntava-me se tinha feito boa viagem e se o tempo lá fora estava bom para poder ir dar um passeio depois de almoço.


Mais tarde, pegava na sua cana que o ajudava a "ver" o mundo, e ia-se passear pelo pátio que cheirava a uma imensidão de flores e a terra molhada. Ou então, se estivesse calor, sentava-se no pequeno banco de pedra branco por baixo da grande nogueira... aí ficava até se fartar ou fazer frio.


À noite, depois do jantar, sentava-se em frente à lareira e ficava a ouvir as altas e alegres vozes que o rodeavam. Então, abria a boca para falar... o silêncio caía naquela casa! Nem mesmo o piriquito sempre tão vivo abria o bico! Ficava imóvel, mudo, só para o poder ouvir. E ele contava histórias... histórias do passado; um passado distante do qual ele fazia parte, da vida que tinha levado, as pessoas que conheceu, os sitios por onde passou... contava-as sim! Com um sorriso nos lábios e uma leve lágrima nos seus olhos cegos.
Por volta das 21:30h, levantava-se; ia até ao relógio de cuco e apalpando, abria a pequena portinhola, pegava na chave e dava-lhe corda. Depois voltando-se dizia: "Vou-me deitar, até amanhã, durmam todos bem!", e seguia para o seu quarto.


Quando era altura de voltar para casa, eu subia uma vez mais ao seu quarto para me despedir, "Adeus avô, vamos agora para Lisboa."
Calmamente, diria aconchegando-se um pouco na sua cama: "Façam boa viagem, até à próxima!"




António Maria, nasceu a 10 de Dezembro de 1908... faleceu no dia 16 de julho de 2008. No dia a seguir o céu esteve limpo e o sol brilhou com toda a sua intensidade.
Era o meu avô... e hoje faz 100 anos!

Até à próxima, avô... faz boa viagem.

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